O homem que mandou uma granada contra um grupo de guardas-nocturnos

10-10-2009 03:22

 Delfim de Sousa: O homem que mandou uma granada contra um grupo de Guardas-nocturnos

Num dos últimos dias que passou em liberdade, Delfim Sousa apanhou o comboio 4922 na Estação de Benfica. Viajava com três amigos e um objectivo: o cofre de aço que trazia o dinheiro recolhido em onze bilheteiras. Era de noite e o comboio ia quase vazio. José Joaquim, o quinto elemento do grupo, estava na rua com um pé de cabra e uma missão: sabotar a linha e descarrilar a composição.

Segundo o acórdão do tribunal das Caldas da Rainha, Delfim, armado com uma G3, forçou o maquinista a entregar o cofre. Mandou-o para a rua e fugiu com os outros elementos do grupo. Um polícia à civil disparou contra os ladrões e foi ferido na troca de tiros. Delfim só conseguiu arrombar o cofre em casa e dividiu entre todos 4377 mil contos, uma verdadeira fortuna em 1983. O caso, inédito em Portugal, foi notícia nos jornais e a PJ demorou um mês a desmantelar o grupo, responsável por uma série de ataques a polícias e assaltos a ourivesarias e lojas de electrodomésticos. Foi considerado o cérebro e líder do bando e condenado a 20 anos de cadeia, o máximo na altura. Nunca assumiu ou confessou o crime do comboio - nem nenhum outro, aliás.
 
Na cadeia foi várias vezes apanhado com droga e pequenas armas escondidas na cela. Entrou em conflito com os guardas e os responsáveis das prisões por onde passou. E apanhou mais 20 anos de prisão num julgamento que juntou todos os processos por tráfico e posse de droga. A última condenação é de 2005 e desde então não voltou a cometer qualquer crime.
Delfim Sousa está preso desde 25 de Março de 1983, há 26 anos consecutivos, e é o recluso com mais tempo seguido de cadeia em Portugal. Nunca beneficiou de uma saída precária ou de qualquer tipo de liberdade condicional. Se não beneficiar de nenhuma atenuante, nem cometer mais nenhum crime, só vai acabar de cumprir a pena em Fevereiro de 2020. Terá cumprido 37 anos de prisão e quando sair terá 67. Entrou aos 30.

 
 O Expresso pediu uma entrevista a Delfim Sousa, que aceitou. O pedido para uma visita à cadeia de Monsanto foi recusada pela Direcção-Geral dos Serviços Prisionais "por razões de segurança". A entrevista foi feita por escrito. Delfim está preso numa cadeia de alta segurança com o regulamento disciplinar mais apertado do país. Dorme numa cela individual, anda de farda e é sujeito a revistas regulares. "Tem tido um comportamento correcto e aqui não tem qualquer hipótese de traficar droga", diz um guarda do estabelecimento. Já pediu várias vezes para ser transferido, o que foi sempre negado. O advogado, Vítor Carreto, já levou o caso ao Supremo Tribunal de Justiça, que confirmou a sentença. Apesar da pena máxima em Portugal ser 25 anos, Delfim vai continuar preso.

Quem olha para a foto guardada numa moldura de madeira ou para as respostas cândidas escritas na letra quase infantil de Delfim Sousa dificilmente consegue imaginar o homem descrito nas várias sentenças dos tribunais. Ou no registo criminal de 64 páginas, que começa escrito à mão em 1977 e só acaba em 2005 num documento processado em computador. Preso pela primeira vez em 1977, cumpriu cinco meses por furto de um automóvel. Casou, teve um filho e no início dos anos 80 liderou um grupo de assaltantes de uma violência quase irracional. Num assalto a uma ourivesaria nas Caldas da Rainha, Delfim ficou à porta ao volante do carro de fuga. Quando apareceu um polícia, disparou a G3. O agente foi ferido e um homem que passava na rua morreu. Noutra ocasião, mandou uma granada contra um grupo de guarda-nocturnos. Não matou nenhum. E de acordo com um relatório policial chegou a vigiar e perseguir o inspector da PJ encarregado de o prender. Há um homem que o quer ver em liberdade: Luís Sousa. "O meu pai não é nenhum santo, mas alguém merece estar preso tanto tempo?".

 
in Expresso online, 01-9-2009